sábado, 24 de março de 2012

O raio da paixão e a construção do amor.


Nós vivemos numa civilização e, em uma sociedade, onde a irracionalidade é a principio inaceitável. Mas a paixão, que é irracional, é aceita porque somos seres apaixonados.

Não há invenção sem dor e paixão, assim como não há religião sem temor ou terror, ou a possibilidade de conceber um ser superior sem você ter de se reconhecer como inferior. Da mesma forma, não há necessidade de divindade se alguém se considera completamente potente. Mas, se você supõe que uma entidade pode machucar ou “puxar seu tapete”, é preciso encontrar modos de agradá-la. A fonte da religião é o terror, mas seu significado vai muito além.

De maneira geral, a Ciência, a Arte, a Filosofia e a Religião são quatro caminhos que têm por trás de uma mesma questão: “Por que algo, nós, o mundo, o universo - existe”? Ou “Por que existimos em vez de não existirmos”?. Reconheça que é um tema que desperta paixões, assim como o futebol e a política. Observo aqui que a palavra latina “paixão” que vem do grego pathos, que é raiz da palavra patologia, que carrega consigo doença e afecção, ou seja, aquilo que te afeta (quando o mal está dentro, é uma afecção). Por isso, a Paixão de Cristo. Não é “paixão” porque sofreu. Paixão é transtorno, é ebulição.

A paixão agride, suspende todas as referências, suspende o tempo e o espaço. A paixão é a suprema negação do óbvio. Um casal de apaixonados num banco de praça está sempre sozinho, ao redor, não existem crianças, bolas, cães, transito lá fora, cidade em volta. A paixão é uma explosão de energia que exige um desgaste imenso para sustentar sua produção de energia. Se ela não for transformada em amor, ela sucumbe em si mesmo, implode, se transforma em um buraco negro, buracos negros se originam em estrelas superpoderosas que, num dado momento, deixam de produzir energia e, por isso, passam a consumir apenas a energia que já têm. E aí elas têm, digamos, um momento de paixão fulgurante, que é quando explodem. No momento da explosão, são chamadas de supernovas. Mas, depois disso, elas desabam, arrastando tudo ao redor, inclusive a gravidade, e se transformam num buraco negro.

Gosto muito de uma definição dada pelo psicanalista alemão Erich Fromm que diz: O amor imaturo diz que te ama porque precisa de você. E que o amor maduro diz que precisa de você porque te ama. A paixão é movida por necessidade. Por esse ponto de vista, não conseguimos existir sem paixão, mas, ela não pode ser contínua, pois não pode fornecer, para usar uma palavra da moda, sua própria sustentabilidade.

A paixão tem de ser o ponto de partida, mas não pode ser o ponto de chegada. Ela precisa ser transformada em algo que seja menos explosivo e mais propício à constância, como o amor. Gosto muito de uma frase de Roland Barthes, escritor e filósofo francês, que consta de um livro chamado “Fragmentos de um discurso amoroso” “Você não ama alguém, e sim ama o amor”

Uma pessoa que te ama é aquela que guarda o teu amor consigo. Quando ela deixa de te amar, ela também deixa de guardar o teu amor dentro dela. Assim, o amor é uma sensação de pertencimento recíproco que almeja a plenitude. No fundo, o amor é uma identidade, pois eu me encontro no outro ou na outra. O amor tem turbulências, mas ele não é confronte, e sim conflitante. O amor, ao contrário da paixão, oferece paz, sendo que paz não é ausência de conflitos, e sim a capacidade de administrar conflitos para que não haja ruptura. Assim, se você consegue guardar o seu amor, se cuida dele, eu fico. Mas, se não cuida nem o guarda, eu parto. Há também os casos em que o amor não é cuidado nem guardado e a pessoa resolve ficar mesmo assim. Nesses casos, isso é conveniência, e não convivência.

Ao contrário do amor, a paixão não tem haver com o outro, e sim com você mesmo, com sua obsessão por uma pessoa ou situação. Há pessoas que são viciadas em paixão, na adrenalina da paixão, para alimentar uma necessidade que só pertence a si mesmo, e não ao outro.

Ninguém pe isento de paixão, mas é preciso ter em mente que a paixão é eventual e rápida. A paixão, insisto, consome uma energia impossível de sustentar. Se o amor e a vida são uma maratona, a paixão são os cem metros rasos, e para que já assistiu uma corrida percebe que o atleta dos cem metros mal se sustenta em pé ao final da prova, tamanho o consumo de energia. Ninguém consegue se manter em disparada, há um limite físico para isso, A paixão é como um raio; ela brilha, ilumina, tem uma energia imensa, uma energia que precisa ser contida ou canalizada para não fulminar aquilo que está na sua frente, uma energia que precisa ser transformada para que não origine uma perturbação ou transtorno.

Ao contrário da paixão, o amor compreende. Compreensão é diferente de dominação ou aceitação, até porque alguém que não seja um preconceituoso contumaz só pode aceitar ou rejeitar depois de ter compreendido. Compreender é ser capaz de entender as razões, mesmo sabendo que a razões são sempre provisórias. Quando você tem consciência da fugacidade das razões, mata qualquer indício de fanatismo e se torna uma pessoas mais acolhedora, apta a receber o outro como a um igual. Caso contrário, está à mercê da paixão, vulcânica e devastadora.

Só quando a paixão arrefece, quando fica sob controle, transforma-se em amor e, assim, em paz de espírito.

A única impossibilidade é haver paz enquanto há paixão.